O DIREITO DO PASSAGEIRO AÉREO NOS CASOS DE CANCELAMENTO DE VOO
O cancelamento de um voo pode resultar em enorme transtorno para o
passageiro que planejou a sua viagem com antecedência e que pretende chegar ao seu
destino na data e horário previamente acordado.
Centenas de passageiros são submetidos ao cancelamento de suas viagens
todos os dias, sem que haja qualquer explicação plausível ou aviso prévio. Salienta-se
que o cancelamento de um voo, seja por problemas técnicos, mau tempo ou qualquer
outro imprevisto, não exclui a responsabilidade do fornecedor, tendo em vista que
quaisquer destas hipóteses decorrem do risco da atividade empresarial.
Neste artigo, veremos as principais causas de cancelamento de voo, o que
diz a lei sobre o assunto, os direitos do passageiro aéreo, além de recentes julgados
acerca do tema.
1. Hipóteses de cancelamento de voo pela companhia aérea
O cancelamento de um voo pode acontecer por vários motivos. Entender
essas razões é importante para lidar melhor com a situação. A seguir, conheça as
principais causas que podem levar ao cancelamento de um voo:
● Mau tempo
O motivo mais frequente é o mau tempo. Condições meteorológicas
adversas, como tempestades, nevascas ou furacões, podem tornar inseguro a decolagem
ou o pouso, levando as companhias aéreas a cancelarem ou redirecionarem os voos para
garantir a segurança de todos a bordo.
● Manutenção na aeronave
A prioridade máxima de qualquer companhia aérea é a segurança dos
passageiros. Por isso, a manutenção programada das aeronaves é uma prática comum e
essencial. No entanto, imprevistos podem acontecer durante as inspeções, obrigando o
cancelamento do voo para assegurar que a aeronave esteja em perfeitas condições de operação. Essas manutenções não planejadas também são bastante comuns e
representam uma das principais razões para atrasos ou cancelamentos.
● Overbooking
O overbooking acontece quando a companhia aérea vende mais passagens
do que o número de assentos disponíveis, uma estratégia usada para compensar
passageiros que não aparecem (no-show). Nesse caso, a empresa busca voluntários para
ceder seus lugares e, se necessário, oferece compensações ou alternativas, como
reembolso ou remarcação em outro voo. Apesar de ser uma prática comum para
aumentar lucros, o overbooking pode resultar na negativa de embarque para alguns
passageiros, especialmente quando não há voluntários.
● Problemas operacionais
Falhas técnicas na aeronave, troca de aviões, atrasos na saída da tripulação
anterior ou dificuldades na infraestrutura do aeroporto são exemplos de problemas
operacionais que podem causar o cancelamento do voo. Esses fatores, muitas vezes
imprevisíveis, são gerenciados com protocolos rigorosos para garantir a segurança de
todos.
● Greves e manifestações
Greves de controladores de voo, pilotos, tripulantes ou funcionários do
aeroporto podem paralisar as operações, levando ao cancelamento de voos.
Manifestações que bloqueiam acessos ao aeroporto também podem afetar os voos,
causando atrasos ou cancelamentos. As companhias aéreas seguem regras específicas,
políticas internas e procedimentos de contingência para minimizar esses impactos,
sempre buscando oferecer alternativas e assistência aos passageiros sempre que
possível.
2. O Que Diz a Lei Sobre o Cancelamento de Passagem Aérea Pela Empresa?
A situação em que um passageiro chega ao aeroporto, pronto para sua viagem, e é
surpreendido com o cancelamento do voo pela companhia aérea é, sem dúvida,
frustrante. No entanto, é crucial que o consumidor esteja ciente de que a legislação brasileira o ampara em tais circunstâncias, garantindo uma série de direitos. Tanto o
Código de Defesa do Consumidor (CDC) (Lei nº 8.078/90) quanto as regulamentações
específicas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), notadamente a Resolução nº
400/2016, estabelecem as obrigações das empresas aéreas em casos de cancelamento de
voo.
2.1 Informação ao Passageiro
O artigo 6º, inciso III, do CDC (Lei nº 8.078/90) preconiza o direito básico do
consumidor à informação clara e adequada acerca dos produtos e serviços, incluindo
suas características, qualidade, quantidade, preço e os riscos inerentes. Em caso de
cancelamento de voo, a companhia aérea possui a obrigação de informar o passageiro
de maneira imediata e detalhada sobre os motivos do cancelamento, as alternativas
disponíveis e seus direitos.
A Resolução nº 400 da ANAC, em seu artigo 27, detalha essa obrigação, exigindo que a
transportadora mantenha o passageiro informado a cada 30 minutos sobre a previsão de
partida de voo atrasado e informe imediatamente em caso de cancelamento, interrupção
do serviço ou preterição de embarque.
2.2 Direitos Consequentes ao Cancelamento
O cancelamento de voo por parte da empresa aérea assegura ao passageiro diversos
direitos, conforme previsto na Resolução nº 400 da ANAC:
● Reembolso Integral:
O passageiro tem o direito de receber a restituição integral
do valor pago pela passagem, incluindo a tarifa de embarque (Artigo 30, inciso
I, da Resolução nº 400/2016 da ANAC). O reembolso deve ser processado em
até 7 dias a contar da solicitação do passageiro (Artigo 29 da Resolução nº
400/2016 da ANAC), observando a forma de pagamento utilizada na compra.
● Reacomodação:
O passageiro pode optar por ser realocado em outro voo da
mesma companhia aérea para o mesmo destino, na primeira oportunidade
(Artigo 28, inciso I, da Resolução nº 400/2016 da ANAC).
● Endosso:
O passageiro pode solicitar o endosso do bilhete para outra companhia
aérea, sem custo adicional, caso haja disponibilidade (Artigo 28, inciso II, da
Resolução nº 400/2016 da ANAC).
● Execução do Serviço por Outra Modalidade de Transporte:
A companhia
aérea pode oferecer ao passageiro a conclusão da viagem por outro meio de
transporte, como ônibus ou van (Artigo 28, inciso III, da Resolução nº 400/2016
da ANAC).
2.3 Assistência Material
Ademais, dependendo do tempo de espera no aeroporto em decorrência do
cancelamento, a companhia aérea deve prestar assistência material gratuita ao
passageiro, conforme o artigo 27 da Resolução nº 400/2016 da ANAC:
● A partir de 1 hora: Facilidades de comunicação (internet, telefone, etc.).
● A partir de 2 horas: Alimentação (voucher, refeição, lanche, etc.).
● A partir de 4 horas: Hospedagem (em caso de pernoite) e transporte de ida e
volta para o local de acomodação, se o passageiro não residir na localidade do
aeroporto.
2.4 Responsabilidade Civil e Danos
O cancelamento de voo, especialmente quando ocorre de forma inesperada e sem
justificativa plausível, pode acarretar danos materiais e morais ao passageiro. O artigo
14 do CDC estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos
danos causados aos consumidores por falhas na prestação dos serviços.
Dessa forma, além dos direitos à informação, reembolso, reacomodação e assistência
material, o passageiro prejudicado pode buscar indenização por eventuais prejuízos
sofridos, tais como perda de compromissos, despesas extras com transporte e
hospedagem não planejadas, e sofrimento psicológico decorrente da situação. A
comprovação do dano e da relação de causa e efeito entre o cancelamento e o prejuízo é
fundamental para a obtenção da indenização.
3. O que fazer se o meu voo for cancelado?
Em situações de cancelamento de voo, o passageiro deve entrar em contato
diretamente com a companhia aérea responsável, a fim de solicitar a aplicação de uma
das medidas previstas pela legislação brasileira: (i) reacomodação em outro voo
disponível para o mesmo destino; (ii) remarcação da passagem para data futura,
conforme a conveniência do passageiro; ou (iii) reembolso integral do valor pago pela
passagem.
Caso o passageiro necessite aguardar no aeroporto devido ao cancelamento,
a companhia aérea tem o dever de fornecer assistência material, a qual pode incluir itens
como alimentação, hospedagem e transporte, conforme o tempo de espera e a distância
entre o local de origem e o domicílio do passageiro.
Para assegurar o acesso a esses direitos, é essencial que o consumidor
mantenha em sua posse os documentos comprobatórios relacionados ao voo e ao
cancelamento, tais como comprovantes de compra, cartões de embarque, registros de
comunicação com a companhia aérea, bem como recibos e notas fiscais de despesas
extraordinárias decorrentes do ocorrido.
A preservação dessas evidências é indispensável para eventual formalização
de reclamações junto aos órgãos competentes ou para a adoção de medidas judiciais
cabíveis.
4. Jurisprudência sobre casos de cancelamento de voo
Há diversos julgados favoráveis aos consumidores em hipóteses de
cancelamento de voo. Os principais Tribunais de Justiça do país têm reconhecido a
existência de danos morais em situações em que o passageiro sofreu prejuízos
significativos em razão do cancelamento não justificado, conforme a seguir:
EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROVIMENTO. I. Caso em Exame
Autores adquiriram passagens aéreas de Natal a Belo Horizonte, com voo
cancelado após três horas de espera no aeroporto, resultando em atraso de 15
horas na chegada ao destino e perda de um dia de trabalho. Questão em
Discussão A questão em discussão consiste em analisar (i) a pretensão de
majoração da indenização por dano moral fixada em favor de parte dos
autores; e (ii) o cabimento de indenização por dano moral e sua quantificação
em relação a autor cujo pedido de indenização foi julgado improcedente.III.
Razões de Decidir. O Superior Tribunal de Justiça estabelece que o dano moral em transporte aéreo não é presumido, exigindo prova da lesão
extrapatrimonial. Comprovação de atraso significativo e perda de dia de
trabalho justificam a indenização. Dispositivo em Tese. Recurso provido para
fixar indenização de R$ 5.000,00para cada autor. Tese de julgamento: 1. Dano
moral não é presumido em transporte aéreo, exigindo prova. 2. Indenização
fixada em R$ 5.000,00 por autor é compatível com precedentes.
Jurisprudência Citada:STJ, REsp 1796716/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi,
3a Turma, j. 27.08.2019.TJSP, Ap. 1056882-22.2024.8.26.0002, Rel. Des.
Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, 13ª Câmara de Direito Privado,
j. em 24/02/2025 TJSP, Ap. 1136366-83.2024.8.26.0100, Rel. Des. Márcio
Teixeira Laranjo, 13ª Câmara de Direito Privado, j. em:21/02/2025.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE REQUERENTE. DANO MORAL
E DANO MATERIAL. ALTERAÇÃO DE HORÁRIO DE VOO. ATRASO
DE 9 (NOVE HORAS) PARA CHEGAR AO DESTINO. INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DEVIDA. FIXAÇÃO DO
QUANTUM INDENIZATÓRIO EM R$ 7.000,00 (SETE MIL REAIS)
PARA CADA APELANTE. PARÂMETROS DESTA CÂMARA CÍVEL E
DESTE TRIBUNAL. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE
PROVIDA. (TJ-PR 0004902-21.2023.8.16.0017 Maringá, Relatora.:
Desembargadora Ana Cláudia Finger, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação:
03/09/2024)
APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Indenização por Danos Morais. Transporte
aéreo internacional de passageiros. Sentença de Procedência. Inconformismo
da Ré. Atraso e remanejamento de voo, com perda de conexão. Alegação de
manutenção programada. Hipótese de fortuito interno, inerente à atividade
econômica da Empresa Ré. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Responsabilidade objetiva da transportadora (Artigos 734 e 737 do Código
Civil). Falha na prestação de serviço configurada (Artigo 14 do Código de
Defesa do Consumidor). Danos morais in re ipsa. Autores que precisaram se
deslocar para outro Aeroporto, sem assistência material, tratando-se de
menores impúberes. Indenização que vai fixada em R$ 6.000,00 (seis mil
reais) para cada um. Quantia que se mostra razoável e proporcional a reprimir
o ato, sem aviltar ou implicar em enriquecimento a quem recebe. Sentença
m a n t i d a . R E C U R S O D E S P R O V I D O . ( T J S P , A p .
1142987-67.2022.8.26.0100, Rel. Penna Machado, 14ª Câmara de Direito
Privado, j. em: 24/04/2023.
5. Conclusão.
Diante do exposto, é evidente que o cancelamento de voo representa não
apenas um contratempo logístico, mas também uma potencial violação dos direitos do
consumidor. A legislação brasileira, por meio do Código de Defesa do Consumidor e da
Resolução nº 400/2016 da ANAC, oferece um arcabouço sólido de proteção ao
passageiro, assegurando-lhe direitos como informação adequada, reembolso,
reacomodação, assistência material e, em casos de prejuízo comprovado, indenização
por danos morais e materiais.
Portanto, é essencial que o passageiro conheça seus direitos e esteja
preparado para reivindicá-los sempre que necessário. Ao mesmo tempo, cabe às companhias aéreas adotar medidas de prevenção e agir com transparência e diligência
em situações adversas, garantindo o respeito ao consumidor e a boa-fé nas relações
contratuais. A consolidação desses direitos por meio da jurisprudência reforça a
importância do equilíbrio nas relações de consumo e a responsabilidade objetiva do
fornecedor frente aos riscos inerentes à atividade de transporte aéreo.
REFERÊNCIAS:
ROCHA, Renata. Cancelamento de voo: motivos, direitos e o que fazer. Disponível em:
https://www.copastur.com.br/blog/cancelamento-de-voo/. Acesso em: 27 abr. 2025.